Lidando com os boatos nas organizações

Sempre tive certa fascinação pelos boatos. É curioso observar a velocidade com que ele circula e deleitante recebê-lo em seus ouvidos, isso porquê os boatos circulam apenas entre aqueles que são dignos de confiança. Exatamente! Ouvir um boato, assim como propagá-lo, gera senso de pertencimento.

Sua velocidade está diretamente ligada à eficiência da rádio-peão, ou rádio-corredor, como também é conhecida. É a famosa comunicação de boca em boca, que costuma ser muito mais eficiente do que os avisos, informes e comunicados – das mais diversas mídias, como: intranet, murais, memorandos, e-mails. E aqui reside outra fonte do meu fascínio: o boato é orgânico – ele é formado naturalmente a medida em que circula estimulando ouvidos, provocando línguas e abrindo bocas.

Em sua origem, do Latim boatus, “mugido, grito”, de bos, “boi”, o boato assume um significado de notícia propagada, gritada aos 4 cantos – hoje, em sua forma mais potente: viralizada! Até este ponto da história o boato estava imaculado, ou seja, não se tratava de mentiras, maledicências ou fontes obscuras ou informais – quando muito: notícia sem importância. Mas hoje o boato assume um significado de notícia fantasiosa, infundada, informal.

É importante diferenciarmos algumas coisas:

Boato x fofoca

Fofoca: normalmente trata de pessoas, enquanto que os boatos tratam de notícias, eventos, acontecimentos. A fofoca costuma carregar consigo uma boa dose de maldade, já o boato dificilmente o faz, afinal, como já dito ele é orgânico, logo, só terá maldade se esta for a vontade do “grupo-fundador” – é também possível “plantar” um boato, neste caso, passível de maldade ou obtenção de vantagens. Desse modo, são raros os boatos que se tratam de fofocas, já a maioria das fofocas tratam-se de boatos. A fofoca dificilmente trata de mentiras, quando muito: enganos ou exageros – mas em sua maioria é apenas o deleite para com a desgraça, graça ou estupidez alheia[1].

Boato x mentira

Mentira: a mentira é algo totalmente intencional! É faltar com a verdade. Com toda certeza carrega consigo a maldade, omissão, dissimulação ou vantagens. Já o boato nunca se preocupa com a veracidade da informação. Sua maior preocupação parece estar na velocidade da divulgação – pouco importa se o que estou transmitindo é verdade ou mentira, estou apenas “vendendo o peixe pelo preço que comprei”, não é assim que dizem?

É nesse ponto que entra a importância do assunto para o contexto organizacional: ao lidar com um boato pouco importa se é este é mentira ou fofoca, o que mais importa é o impacto que causa no comportamento das pessoas.

Vejamos alguns exemplos:

Boato + mentira:

Se um boato é também uma mentira, as pessoas passarão a se comportar como se a mentira fosse verdade – algo bastante danoso, não é mesmo? Por exemplo: um boato sobre a substituição de um diretor pode alterar significativamente a dinâmica da arena política da organização. Alguns funcionários se sentirão inseguros em relação ao novo diretor, outros começarão a “mostrar mais serviço”, outros atualizarão o currículo … mas o mais curioso deste tipo de situação é que está é a mais fácil de resolver: basta apenas comunicar formalmente e de forma eficiente a verdade. Fazendo assim, o boato simplesmente desaparece!

Boato + mentira + fofoca

Assim como no caso anterior a “cura” é bastante simples e, se adotada de maneira eficaz, extingue o mal pela raiz. A questão passa ser a velocidade com que o boato é desfeito. E isso envolve não só a velocidade com que se realiza a comunicação da verdade, mas principalmente a velocidade com que se descobre a existência do boato. E aqui vai o alerta: quanto maior o nível hierárquico, pior a sintonia da rádio-peão! Por isso que gosto de fazer passeios pelos cafés e corredores das empresas, lá não só a sintonia é melhor, como também o volume.

Boato

Agora vêm os casos mais difíceis, quando boato se apresenta em sua forma mais genuína, qual seja: tratando-se da verdade antecipada por colegas mais influentes que proporcionaram alguns vazamentos (seletivos ou não; intencionais ou não – muitas vezes o comportamento dos diretores indica claramente o que está acontecendo). Por exemplo: a alta direção da empresa resolveu abandonar determinado segmento (ou produto) do mercado. Com isso, algumas pessoas e alguns departamentos deixarão de ter funcionalidade, logo, transferências e demissões serão feitas. Algumas pistas são facilmente decifradas pelos demais funcionários, como: corte de verba, demora na resposta de e-mails, redução da quantidade de reuniões, enfim, as pessoas envolvidas neste segmento (ou produto) conseguem perceber com facilidade as mensagens subliminares.

O problema é que enquanto não se extirpa o boato, comunicando de uma vez por todas o que está acontecendo e como será feita a transição, o medo e a insegurança tomam conta do clima da organização – pessoas não diretamente afetadas pela situação poderão se preocupar mais do que o necessário e até algumas pessoas diretamente impactadas poderão ser pegas de surpresa! O fato é que, com toda a certeza a produtividade (mesmo em áreas pouco impactadas) cairá.

Solução? Mais uma vez: dizer logo a verdade! O ponto principal passa a ser a velocidade da estruturação e implementação das ações da mudança, de modo a poder comunicá-las o mais rápido e com a maior transparência possível.

Boato + fofoca

Sempre guardo o melhor para o final. Imaginemos agora uma situação onde o boato é também uma fofoca e ainda por cima trata-se de verdade. Um exemplo levemente frequente: dois colegas de trabalho estão tendo um caso, sendo que um deles é casado. Essa situação se agrava ainda mais se houver relação de subordinação entre eles. De qualquer forma, em ambos os casos os possíveis danos são previsíveis: desrespeito, insinuações, piadinhas, insubordinações – com consequente influência no clima, processos de trabalho e na produtividade.

E agora, como proceder neste caso? Só tem uma maneira: dizer a verdade! O ponto principal nesse tipo de situação é que a verdade, teoricamente, não pode ser dita, correto? Sim, mas não há alternativa: assume-se logo o relacionamento ou convive-se com o boato enquanto o relacionamento durar.

Essa é uma situação bastante espinhosa e que costuma acabar em demissão e/ou divórcio. A organização não pode permitir que os efeitos danosos deste boato se instalem e, como a empresa não deve interferir em assuntos de relacionamentos pessoais, muitas vezes a demissão é a solução para o caso.

Claro que a situação ficaria mais branda se neste exemplo nenhum dos dois fosse casado, pois aí caberia apenas avaliar os impactos do relacionamento nos processos de trabalho e desempenho da equipe, mas essa nova hipotética situação teria muito menos chance de se tornar um significativo boato! Por isso preferi apimentar o exemplo.

Conclusão

A melhor maneira de se enfrentar um boato é simplesmente dizer logo a verdade! Se o boato estiver fundamentado em uma mentira, só a rápida apresentação da verdade poderá extingui-lo. Se estiver fundamentado na verdade, a questão é: por que a formalização da verdade ainda não foi feita? Muito provavelmente por estratégia da alta direção da empresa – normalmente porque a empresa ainda não está devidamente preparada para enfrentar os impactos do “evento” nos funcionários, mercado, concorrentes ou clientes. Neste é preciso avaliar qual o menor custo: antecipar a verdade ou conviver com o boato – de qualquer modo, apressar o planejamento e execução de ações de reparo (ou mesmo preparo) dos impactos do “evento” é a ordem do dia.

[1] Para saber mais sobre fofoca nas organizações leia: Fofoca: veneno que circula nas organizações

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