Os rituais e as organizações

Era o dia mais importante da vida dela. Por isso tamanha produção! Uma equipe a preparava: maquiador, cabeleireiro, manicure – todos operando simultaneamente naquela antessala, outrora grande, mas agora apertada, pois além dela e sua equipe, outras também se aprontavam.

O clima alegre, feliz, leve – muita, mais muita alegria! Essas que a ela se juntavam, eram nada menos do que as pessoas mais especiais da sua vida, ali havia: mãe, primas, amigas – mas por hoje, cada qual com seu papel: apenas mãe e madrinhas!

O salão lotado – mais parentes e amigos, tinha até desconhecidos. Todos se avolumavam e disputavam assentos à frente, alguns respeitavam o lado, o lado do seu ente. Mas havia uma hierarquia presente – parentes mais velhos à frente!

A curta distância entre o “camarim” e o altar agora era distante. Um caminho mágico, passo a passo – como quem caminha nas nuvens, vibrante! Os convidados maravilhados: pasmos, felizes, radiantes – quando em choro, um choro emocionante. Uma grande festa começou, após o “sim” dos amantes.

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Os rituais estão muito mais presentes em nossas vidas do que conseguimos imaginar. Na verdade, estão tão incorporados à cultura que mal podemos percebê-los, mas podemos intensamente vive-los. São as formaturas, os casamentos, os chás-de-bebes, os batizados, os aniversários, as missas, os carnavais, os almoços de domingo …

Os rituais são para mim fascinante. Pude conhecer um pouco mais sobre elas através de Joseph Campbell, mais especificamente em: “As máscaras de Deus: mitologia primitiva – recomendo a leitura para aqueles que se interessam pelo assunto.

Os rituais assumem diversas funções de grande importância para o funcionamento da sociedade, dentre elas, nortear o comportamento humano. Não quero parecer simplista (ou utilitarista) e “pintar” aqui os rituais como algo premeditado, intencional, manipulativo – ou mesmo como algo: tolo, ingênuo, “submissivo”. Por isso, peço permissão dos amantes (ou estudiosos) da mitologia para discorrer sobre o caráter “orientador de ações, atitudes, comportamento, que os ritos assumem em nossas vidas – mais especificamente em nosso ambiente profissional.

Vamos então para outra história?

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Era o dia mais importante da vida dela. Por isso tamanha produção! Uma equipe a apoiava: planilhas, gráficos, textos. Todos envolvidos há dias com aquela apresentação.

O clima alegre, apesar da pressão. Muita exigência, mas muita satisfação. Sentia-se segura, apesar da apreensão. Sua equipe era especial, por ela cuidadosamente escolhida e desenvolvida – mas cada qual com o seu papel: supervisores, assistentes, analistas.

A sala estava lotada – toda diretoria. Ninguém disputava assento, seu lugar já se conhecia. Projetor, computador, café e água quente, afinal um deles gostava de chá e estava presente. Mas havia uma hierarquia, atente: na cabeceira, o presidente!

A curta distância entre sua sala e auditório agora era distante. Um caminho tenso – seu futuro logo ali, à frente! Os ouvintes atentos, minuciosos, pensantes. A decisão definiria o futuro da companhia e seu futuro profissional, consequente. Foi tomada por uma grande vibração, comoção muito excitante – quando todos assentiram, dando voz ao presidente: “Seu trabalho superou expectativas iniciantes, seu projeto segue em frente”!

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As reuniões são os rituais mais comuns, mais frequentes, nas organizações. Seus elementos, sua formação, condução, conteúdo – isso tudo gera indícios sobre o que é mais valorizado, aceito, elogiado, exigido, respeitado … enfim, orienta o comportamento das pessoas.

Mas existem muitos outros rituais, dos mais simples aos mais sofisticados: do café com o presidente à convenção anual. Comemorações, preleções de vendas, orações, políticas de integração, recepção (tratamento) de visitantes, festas de final de ano …

Esses são apenas alguns exemplos que primeiramente vêm à mente, mas meu objetivo com esse artigo é o convite para a reflexão a respeito do assunto. Quais rituais sua organização vem praticando? O que poderia ser melhorado? Quais poderiam ser criados? Hoje muito se fala sobre engajamento e os rituais são fontes poderosas de pertencimento.

Mas que diabos andas fazendo?

Hoje recebi logo pela manhã o texto “A caminho do brejo” da Cora Ronái no O Globo – recomendo a leitura. Trata-se daqueles artigos que incitam as pessoas a reagirem, a não se conformarem com o status quo, a lutarem por um Brasil melhor. Ela questiona nossa inércia e nossa capacidade de se conformar, aceitando barbaridades como fatos corriqueiros – por tanto lermos, ouvirmos e assistirmos nos jornais e redes sociais.

Concordo com ela, e isso me incomoda muito! Acredito que incomode a todos nós, povo honesto e trabalhador. Se não posso falar por todos, posso falar por mim: meu sentimento é de impotência, afinal, o que poderia eu fazer para ao menos ajudar a mudar um pouquinho nosso país? Quer que eu saia às ruas? Quer que eu saia por aí compartilhando posts de condenações, de agressões a partidos políticos, ideologias, figuras públicas? Não acredito que esse seja o melhor caminho, mas confesso que o faço. Fui as ruas pedir o impeachment e compartilho informações (desde que seguro em relação à fonte) a respeito de bandidos do colarinho branco e de figuras impudicas (pelo menos sob meu ponto de vista).

Acredito que essas estratégias são necessárias, pois ajudam a aumentar ainda mais o desconforto e deixam os tementes com “as barbas de molho”. Mas, ao mesmo tempo, geram muita angustia e ansiedade -um sentimento de impotência – o que pode levar-nos a atitudes como: 1) é assim, sempre foi assim e não há nada que possamos fazer. São aquelas frases do tipo: “a culpa é do Cabral” (neste caso estou me referindo ao navegador, caso fosse o governador a culpa realmente seria dele); “a corrupção começa com você, que até hoje não devolveu o livro da biblioteca”; “você que compra seguidores no Instagram”; ou 2) “já que é assim mesmo, vou procurar uma ‘tetinha’ para mamar também”, “se eles podem, também posso” – levando as pessoas a prática de condutas desonestas.

Por isso a pergunta do título: que diabos você anda fazendo da sua vida?

A melhor ação para essa situação é ajudar aqueles que estão à sua volta, por exemplo: meu pai batalhou muito para educar 3 filhos, resultando na criação de 3 adultos (ou mais, afinal, assim fazendo, muito provavelmente influenciou outros a sua volta) capazes de contribuir positivamente para com a sociedade através do trabalho e da geração e transferência de valores (materiais e morais) e nós, seus filhos, estamos repetindo o padrão, envolvendo agora não mais 3 seres, e sim 11. Parece ser um bom começo, não? principalmente porque, quando falo “ajudar”, me refiro à proporcionar condições favoráveis de desenvolvimento do próximo. Disso todos nós somos capazes e muitas vezes não nos custa mais do que tempo!

Isso tudo me faz lembrar daquele filme: “corrente do bem”, em que uma criança propõe que cada pessoa ajudasse outras três pessoas, criando assim uma onda altruísta. Então me diga: a quem vai ajudar hoje? Quem você ajudou ontem? Tem gente que diz que colar na prova, ocupar o assento exclusivo para idosos, forjar atestado são atos de corrupção, no entanto, as vezes se esquecem que: incentivar alguém a estudar, orientar o funcionário quanto a seu desenvolvimento, elogiar os acertos e qualidades – são atos de honradez!